Jack-in-the-box
Hoje acordei e fiquei uns minutinhos na cama. Não é o meu normal. Eu sempre desperto e salto fora imediatamente, Jack-in-the-box, não sei por quê. Costumo explicar a mim mesma que são my worries que me impulsionam pra fora do berço. Tipo: avia-te, homem. Carpe diem. Vai fazer alguma coisa pra melhorar essa eme que é a vida. Mexa-se, mexa-se, é gostoso pra chuchu/mas nunca tão depressa, quem tem pressa come cru. Essas coisas.
Não hoje. Alguma coisa me fez ficar uns parcos minutos deitada, olhos abertos, staring at the big wave de realidade que vinha pronta pra me engolfar. Acho que é esse o meu medo. Tenho arrepios de pensar em morte por afogamento ou soterramento, qualquer coisa que impeça a respiração. Prefiro uma estocada no fígado, uma jamanta passando por cima, uma bala perdida. Qualquer coisa menos falta de ar, por favor, ainda que doa muito. Tanto que já deixei instruções (embora nenhuma providência formal) pra ser cremada. Se não for possível, joguem meu corpo num abismo, num mato, deixem para os ari-bus, tanto faz. Pouco ou nada me importa, a não ser isto: não me enterrem. Ou à meia-noite prometo vir buscar sua alma, whatever.
Então levanto. E sinto umas lágrimas recém choradas. Poucas, mas estão lá. De uns tempos pra cá percebo que minhas lágrimas adotaram um regime de austeridade, como os governos anteriores ao petê. Melhor assim, por todos os motivos.
Então percebo aquele quê de lágrimas e um fundo musical, lá no fundo do palco, do fundo do meu cérebro. Sabe o que toca? Twilight Mist. Com o Lee Morgan. Sim, aquele do clip que eu postei outro dia. Estou pra dizer que é a trilha perfeita para a minha vida. Eu sou aquele estado de espírito. Cinéma noir. Completamente. Sempre me senti uma espectadora de mim mesma, de minha história, narrando para mim mesma os fatos da minha vida em branco-e-preto. Sempre aquelas entradas e saídas de cena carregadas de drama, e o solo pungente de um piston cortando o coração das personagens e de quem assiste. Assim.
A vida para mim é uma coisa sem significado, sem objetivo, sem merecimentos. Por melhor que seja, ou mais proveitosa, ou mais estapafúrdia, para mim não vale nada, nunca valeu. Não consigo sentir muita emoção nem pela vida, nem pela morte. Não no sentido que todo mundo sente, pois a morte pra mim representa uma carta de alforria. Claro, sinto quando perco alguém
para a morte, mas não sinto
pela morte em si. Ela é calmante, conciliadora, terminante. Isso é bom.
Ontem conversava longamente, mais longamente do que de costume, com a melhor pessoa que existe pra eu conversar, a que me entende perfeitamente sem eu ter de fazer malabarismos filosófico-sentimento-intelectuais, o que seja. E a uma certa altura essa pessoa me perguntou:
- Então, San, entre o ser e o nada, você fica com o nada?
E eu:
- Disparado.
Essa sou eu. Com toda a sinceridade. Pegue todos os dias bacanas da minha vida (são muito poucos), pegue todos os momentos extremamente felizes da minha vida (sim, foram extremos), junte tudo num mesmo saco, abane pra mim numa das mãos e na outra o nada. Pergunte: que mão você quer? Responderei: a do nada.
Tenho uma fadiga imensa da vida, estou nela contra a minha vontade, invejo os mortos. Malgrado, como diria Vó Canda, ser essa pessoa bem humorada, sarrista, risonha, que alguns conhecem. Consigo tirar humor de pedra. Mas é tudo
teatro, não, odeio essa palavra ultimamente. Digamos, é tudo... não diria falso, que não é, mas talvez, interpretado. Sim, acho que é isso. Meu humor, minha alegria são papéis que interpreto. A pessoa, por baixo da personagem, é grave, irremediavelmente entediada.
Talvez por isso eu goste da chuva, do frio, do cinza, do silêncio. Talvez por isso eu desgoste do Brasil e dos brasileiros nessa eterna palhaçada em que se debatem. Acho tão embaraçosa.
Trio elétrico, imagine.