quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Gorjeta compulsória, o bullying que faltava na coleção

Hoje cedo na tv reportagem sobre a instalação do disk-gorjeta em Sampa me fez lembrar disto:

Estava eu uma noite na Pizzaria e Focacceria Baggio Juvevê com meu filho adolescente, degustando minha pizzazinha de coeur de palmier e conversando animadamente sobre o rinoceronte do Ionesco, Descartes versus Kierkegaard e tal, essas amenidades que vão bem com pizza. Finda a mesma sem conclusão filosófica fiz ao garçom, um pária antipático de sapatos apertados, aquela mímica na qual uma mão serve de bloco de notas sobre o qual a outra escreve, pra que ele trouxesse a conta. Ele fez que sim, reforçando todos os vincos da cara pra deixar claro mas não provável o que pensava de gente como eu.

Resolvi: esse fdp não vai ganhar um real de gorjeta, não de mim. Mas, na hora do acerto, deixei a merreca, faltando exatos vinte e cinco centavos pro dez por cento, nada mal pra quem não ia receber gorjeta at all. Em poucos minutos o pária antipático de sapatos apertados estava de volta. Aproximou-se e atirou, sim, atirou, a pastinha com o dinheiro sobre a mesa resmungando: falta dinheiro!

Falta dinheiro! Assim mesmo, tipo em "falta dinheiro". Como é que é? perguntei eu, misturando Ionesco e Kafka, pois sentia a carapaça do rino a crescer fantasticamente em mim. Falta dinheiro aqui, repetiu o pária. Eu fiz de louca dopada, reexaminei vagarosamente a conta e disse que não, que tinha dinheiro a mais do valor cobrado. Falta a gorjeta, replicou o pária, com a autoridade do Lula defendendo o Sarney.

Eu respirei fundo, meu filho olhou pro cadarço do tênis pensando ai, a mãe vai surtar. Eu recolhi todas as migalhas de razoabilidade que pude encontrar em meu cérebro privilegiado e atirei na cara do pária: falta gorjeta? Gorjeta a gente dá se quer! Você está reclamando que faltam 25 centavos numa gorjeta que eu nem sequer queria deixar pra você? Ele: não sou eu que tô reclamando, é o gerente. Dona, eu sei que gorjeta é que nem bunda, mas aqui é obrigatória e nós não podemo aceitar valor a menos.

Fiz um sinal em código para o meu filho significando aguenta as pontas que este é um assunto para a Super San, e fui até o balcão do gerente, ouvindo ao fundo os suspiros contristados do meu menino e o seu pensamento a perguntar por que eu não posso ter uma mãe normal, por quê? Pensei, não, agora o pária vai ser desmascarado.

Ledo engano desta sensata criatura. O gerente ao me ver arrepiou-se todo, parecia um galo de briga jogado na rinha e ferido de propósito pra ficar mais sanguinário (aprendi essa com o Duda). E foi preparando o discurso. Que eu estava redondamente enganada, que a gorjeta era facultativa pros meus nêgos, que ali no restaurante dele era ele quem decidia se a gorjeta era obrigatória ou não, que a gorjeta complementava o salário do garçom, era até maior que o próprio, e que ele (e aqui ele fez um esgarzinho de riso, soltou um pfu! e olhou pro garçom, espalmando a mão em direção a mim no melhor estilo According to Jim, pra ajudar o outro a compreender a minha bizarrice) ele não podia arcar com essa complementação, o que a senhora estava pensando?

A senhora estava pensando o seguinte: depois que um cara sem noção puxa o berro e descarrega num santo homem desses, sai na Tribuna que o cara atirou porque era louco, porque não prestava, porque não pensou na família da vítima. Que, no caso, se intitulava um dos donos/sócios das pizzarias Baggio.

Pra resumir: tirei toda a gorjeta. E desafiei o gerentão a fazer alguma coisa a respeito. Ele fez. Berrou elegantemente a plenos pulmões que eu me retirasse do restaurante dele e que fizesse o favor de nunca mais voltar. Eu disse por mim tudo bem, cretino carcamano! E fiz aquela gargalhadinha teatral com a qual o mais esperto acaba uma discussão nos filmes. Foi tão fake que injuriou o sujeito, eu pude ver o nojo estampado na cara dele, achei por um momento que ele fosse vomitar em mim.

No dia seguinte pensei em levar o caso ao Procon mas, sabe o que? Senti uma canseira muito grande. Esse mundo está tão cheio de cretinos, o mundo é deles na verdade, eu é que estou aqui de besta. Tem uma frase na Bíblia que diz felizes os mansos, porque possuirão a terra. Naquele tempo manso significava cretino.

Hoje, dez anos depois, alguém resolve instalar em São Paulo um ridículo e inoperante disk-denúncia contra a cobrança compulsória de gorjetas. Agora, sim! Hein? Agora a coisa vai, powha!

4 comentários:

  1. San Tíssima Unidade:

    Você é nossa convidada para ir ao Capitu, encontrar todos os chartunistas da cidade (toda família curitibana tem um cartunista trancado no banheiro).

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  2. Ai como eu gosssssto de te ler. Quando isso? Quero o meu chartunista no banheiro, cadê ele?

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  3. Nunca fui ao Baggio Juveve, e agora é que não vou mesmo. Bando de babacas.

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  4. Cê viu, amore mio, o que eles fizeram com euzinha? Se você estivesse lá encheria o gerentão de porrada ou daria uma risadinha disfarçada pra ele fazendo positivo com o polegar enquanto eu olhava pro outro lado?
    ri ri ri, tanti baci, bello

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