terça-feira, 6 de abril de 2010

La niña y el pez


Érase una vez... pero este cuento de hadas no es contado en Español. Apenas eu sempre quis escrever alguma coisa com a palavra pez, que acho tão mais apropriada do que peixe. Que, repare bem, peixe é uma palavra que arranha, espinha, espeta. Já pez é um som liso, escorregadio, bem como deve ser uma coisa sem espinhos e sem escamas, que é como deviam vir para nós os peixes.

Então, era uma vez uma menina. Que andava descalça, à beira de uma lagoa. Uma menina magra, um pouco mal ajeitada no espaço entre ser ainda uma menina e quase uma moça. Ela vagava segurando a ponta do seu vestido de algodão, costurado por sua mãe, que não era muito boa costureira, mas. E às vezes levava a ponta do vestido à boca, o que fazia mostrar seus joelhos de menina, ou suas coxas de moça, conforme o momento era uma coisa ou outra, conforme o que se passava em sua cabeça, se ela queria ser mais uma coisa ou mais a outra.

Essa menina, pobrinha, não podia dar muita importância às coisas acessórias da vida, tais como sapatos, jóias, lingerie, coisas que, na verdade, ela quase não tinha para usar. Então contentava-se com seus vestidinhos de algodão sobre o corpo, e a brisa, e os capins longos e flexíveis que acariciavam sua pele por debaixo do vestido quando ela andava ao ar livre. O que a fazia ter um perfume perene de brisa, e capim, e canto de cigarras aquecidas ao sol, um perfume verdadeiramente único de menina levemente suada e limpa.

Às vezes a menina apenas se sentava à beira da lagoa e atirava na água pedrinhas, gravetos, qualquer coisa, para ver os círculos concêntricos que se formavam a partir do impacto. Ela pensava muito em círculos concêntricos. E em ter um namorado que fosse o homem mais perfeito do mundo, e que seus pensamentos e gostos e desejos fossem uma sucessão de círculos concêntricos, não interessava muito o porquê, contanto que lembrassem a ela as ondas perfeitas e impulsivas a correr sobre a superfície serena da água, tão bonito.

E um dia, estando a menina sentada a pensar sobre essas coisas, eis que lhe surge de repente um peixe, metendo sua cabeça de peixe para fora d'água, chuá.

- Un pez! exclamou a menina, que também simpatizava com a palavra em Espanhol (com essa e com pájaro, igualmente). Mas nem deu tempo de pensar mais nada, e o peixe começou a falar.

- Un pez parlante! admirou-se a menina, gastando quase todo o seu Espanhol.

- Olá! repetiu o peixe.

- Olá, respondeu a menina puxando os pés, considerando que o peixe podia morder-lhe os dedinhos.

- Não, não precisa se assustar, acudiu o peixe adivinhando-lhe o pensamento. Não lhe faria mal algum, sou um peixe bem atencioso com meninas bonitas de cabelos lisos e olhos de mangá, continuou ele, provando ser um peixe bastante articulado.

- Oh! fez a menina, espantadíssima e muito divertida. Você é um peixe bem interessante, confessou.

- Obrigado, obrigado, sou um pouco talvez, disse o peixe fingindo modéstia, que a menina logo percebeu ser fingida, pois peixe falante nenhum pode se considerar só um pouco interessante sinceramente. Mas a menina tinha essa facilidade de interpretar a falsa modéstia, principalmente nos peixes.

- Não acho pouco, afirmou. Que tipo de peixe é você? O senhor? Desculpe, nunca conversei com um peixe, não sei exatamente como tratá-lo.

- Ora, ora, minha linda, trate-me como quiser. Sou seu. Você pode fazer comigo o que quiser. Trate-me então de você, já que não me deve reverência nenhuma.

- Meu? Você? Como assim? Por quê? a menina empilhou as perguntas, tomada de surpresa.

- Sim, seu. Como? Por livre e espontânea vontade. Por que há tempos venho observando você e estou apaixonadíssimo por sua figura encantadora, por suas (o peixe deu uma tossidinha) qualidades, digo, do meu ponto de vista, mesmo considerando a refração, dá para ter uma boa idéia quando você passa aqui na beiradinha, quer dizer, não me interprete mal, há toda uma platéia submersa que digamos, presta atenção em você.

- Nossa! exclamou a menina. Nunca imaginei...

- É? concedeu o peixe. Sei.

E a menina notou que o peixe possuía uma voz belíssima, e uma boca incrivelmente bem desenhada, especialmente para um peixe. Ela sentiu uma atração inexplicával por aquela boca, atração que aumentava à medida em que o peixe falava. Era uma coisa inelutável, a menina quase nem entendia o que o peixe estava a falar, tal o fascínio que aquela voz e aquela boca juntas lhe causavam.

- Desculpe, eu não entendi direito o que você falou, admitiu a menina. Eu estava prestando atenção a...

- Haha, riu discretamente o peixe. Sei.

- Sabe? surpreendeu-se de novo a menina. Mas como você, morando debaixo d'água, sem nunca sair por aí, como pode você saber coisas, especialmente sobre mim?

- Bem, na verdade, eu nem sei como dizer isso sem cair num clichê rotíssimo, desculpe, mas a verdade é que eu sou um menino, eu fui um menino, hoje estou encantado, sou um peixe como você vê mas, enfim, eu, como menino, já vivi muito mais perto de você do que você imagina.

- Oh! fez outra vez a menina, acreditando que essa seria a melhor interjeição pra exprimir redondamente o que ela sentia no momento. Oh! Eu nem sei o que dizer!

- Pode dizer oh! de novo, se quiser, brincou o peixe. Você fica uma gracinha dizendo oh! combina com o formato dos seus olhos, fica perfeito!

- Hahaha, riu a menina, como você é divertido. Nunca menino nenhum me fez achar tanta graça no que diz como você!

- Sério? animou-se o peixe. Puxa, que bom. Acho bom ser divertido, contanto que seja só para você. Nossa, mas eu posso ser muito mais do que isso.

- Sério? imitou a menina, arredondando e abrindo ainda mais os olhos.

- Seríissimo, declarou o peixe. Estou prontinho para ser qualquer coisa que lhe interesse. Posso ser coisas do arco da velha.

- Ahaha, você fala como minha tia Josefa, que engraçado! divertiu-se a menina.

- Ham-ham, resmungou o peixe.

- Como? Pode repetir? pediu a menina interessada.

- Repetir o quê?

- O ham-ham, disse ela, enrubescendo e baixando castamente o olhar, dentro do possível, pois estava se deixando seduzir e não havia cem por cento de castidade nisso.

- Ah, o ham-ham... sei.

Então a menina se levantou de supetão e seu movimento fez girar a saia do vestido, afligindo um pouco o peixe que, sendo na verdade um menino, como tal se afligia quando saias de meninas se agitavam perto dele.

- E como é que eu faço para tirar você dessa lagoa? Digo, sem você morrer ou passar mal? Pode?

- Pode, pode, respondeu o peixe. Aliás, eu ia lhe pedir para fazer isso, se você quisesse, é claro. É assim: basta que você entre aqui na água, junto comigo, e me deixe nadar ao seu redor, ao seu lado, de todo lado, entre seus braços, enfim, o périplo completo ao redor de você, esse é o modo de quebrar o encanto... se bem que, na verdade, eu acho que ficarei mais encantado do que nunca...

- Haha, riu a menina. Mas você é mesmo muito engraçado e engraçadinho também.

- Gosta? entusiasmou-se o peixe.

- Muito! respondeu a menina, completamente enlevada pela verve e pela voz e pela boca do peixe.

- Então? Vai entrar aqui, comigo? Mergulhar? A água está meio friazinha, você vai se arrepiar um pouco, ai, enfim, mas então?

- Vou entrar. Vou me arrepiar, sim, muito. Vou ficar toda geladinha, eu sei. Eu quando entro na água fria saio totalmente geladinha, arrepiada, assim... sabe?

- Sei, sussurrou o peixe fracamente, ham-ham.

- Ham-ham... repetiu a menina enquanto começava a caminhar para dentro da lagoa, os pés desaparecendo dentro d'água, os tornozelos, joelhos, o vestido de algodão começando a chupar água, a colar nas suas coxas ora de moça, ora de menina. As libélulas na superfície d'água, as efemérides, todos os insetos alados encantavam-se com a menina, com o cheiro da menina que entrava na água, com o calor tênue de sua pele ao encontro do friozinho, e o choque que lhe cobria a pele de arrepios, dos pés à cabeça, tornando rijas certas partes de seu corpo normalmente maciazinhas.

E estando ela agora todinha dentro d'água, os retos cabelos a flutuar como plantinhas aquáticas, acercou-se dela o peixe e enredou-se, e enroscou-se, e desvencilhou-se e, enquanto nadava ao seu redor, por entre seus membros arrepiados com o roçar de suas barbatanas, e se maravilhava com as colunas de suas pernas e os seus mistérios recônditos, foi o peixe se transmutando em menino, voltando a ser o que sempre fora, com a diferença de que agora, passado o tempo do feitiço, ele se achava enfeitiçado pelas graças da sua menina, e isso o tornava mais feliz do que jamais fora antes da provação. De modo que ele saboreava com mais volúpia o prazer de amar a menina e ser por ela correspondido plenamente, como ele via que era.

Assim, depois de momentos que bem podem ter sido horas ou até dias, saíram os dois da água, abraçados, sorridentes e felizes, contando cada um mil estórias que o outro precisava conhecer, ouvindo com delícia suas vozes e suas risadas, e as noções que tinham, tão estreitamente parecidas, sobre assuntos vários que lhes soavam agora infinitamente mais interessantes que outrora. E fizeram então planos de se instalar na cidade, numa quitinete que poderiam transar legal, para começar, onde viveriam todos os momentos livres das suas vidas, presos um ao outro por esses diáfanos e sedutores, inquebráveis cordões de paixão e sonho, que nem todos conhecem ou enxergam uma vez sequer na vida.

Quando estavam a alguns metros da lagoa voltaram-se ao ouvir a marola produzida por um peixe pesado, viscoso e feio, que, no entanto, simpaticamente lhes acenava, desejando felicidades. Eles responderam ao aceno enquanto a menina perguntava sem mover os lábios, por educação:

- Amor (sim, ela imediatamente tratou o menino assim, pois tinha certeza sobre isso), quem é aquele?

- Aquele, amada, linda? Ah, resumiu ele, um velho companheiro de horas passadas no limo.

- Ah, é? disse a menina sem realmente esperar a resposta, cobrindo o menino com beijos de pétalas e borboletas.

- Ham-ham, conseguiu balbuciar o menino, derretendo sob os beijos... Aquele é El Guduño.

15 comentários:

  1. O Gudunho eu não conheço, mas já vi esse pez em algum lugar, com um pez desses toda semana seria santa...rrss...MUITO BOM SAN!!!

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  2. Ahaha, Anonima, dame risas! Pois veja como são as coisas, el Pez é ficcional, já el Guduño existe for real.

    A vida com moela é...

    Beijo

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  3. Eu ja temia isso...mas sempre prefiro pensar que no meio do meu caminho existe (apenas) el Pez!!!E depois acho que: "Guduño num qué, dois num briga..." besso

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  4. Vou me repetir: esta é San, a maga contadora de histórias que mexem com minha imaginação, a escritora que eu mais gosto de ler, o texto cintilante, feiticeiro, que agarra as meninas dos meus olhos pela ribana de suas camisetas puídas e me faz viajar por esse mundo fabuloso, habitado por Lolitas humildes, garotos encantados, peixes falantes e até pelo velho e bom Gudunho, que sempre me parecera ser mera quimera, até que eu passasse a ter conhecimento de sua indispensável existência. San é isso: essencial para quem não se contenta com pouco e quer mais, todos os dias. Você quer saber se eu quero? Ham-ham!...

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  5. Paulo Vitola ( estrela da vida inteira)disse: Está dito!!!E muito bem dito ,que lindoooo San!!!

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  6. Muito fofo você, Sr. Vitola.

    Deixa-me faceiríssima com essas considerações tão bem tecidas, melhores que o texto considerado. Não mereço mas aceito depressinha, como sempre, temendo que você pense melhor... nossa, a tiete aqui sou eu, Sr. Vitola. Uma delas ;)

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  7. Obrigada, Fã.

    Se bem que uma opinião como a do Vitola dirige bastante... mesmo assim obrigada, fico superfeliz que vocês se agradem das minhas besteirinhas, haha :)

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  8. Experts já bem aqui referiram deste teu texto, então aqui apenas avaliso todo o referido.
    E pontuo: DEZZZZZZZZZZZZZZ
    Bj

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  9. Obrigada, querido e gauchíssimo Doutor Ciro, nobre colega causídico, fotografante e filósofo. Nossa, que coisera séria que tu és ;)Bjo

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  10. Muito erótico esse peixe foi o que eu acheeeei!!!!

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  11. Issaí, Dona Dani. Que ele é, é. ;)

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