terça-feira, 11 de outubro de 2011

Alguém Pra Cuidar de Mim





Será que a Wino finalmente encontrou?



Meu ritmo é marcado por coisas, não por gentes.

De manhã, o celu me acorda. Confiro a hora no decoder da tv acabo. Aperto os olhos pras ardidas faixas de luz que vazam pelas persianas. Hora de abrir tais persianas. Penso nisso com preguiça. E algum entusiasmo, pelo ciclo da vida, que continuou enquanto eu dormia, olha que interessante. O suave escuro acabou, tem dia ardido lá fora. E tudo aconteceu enquanto eu dormia.

Abrir as persianas. Um pouco, não muito. Que os vizinhos são, em geral, uns voyeurs frustrados. Mas, ainda que eu andasse pelada, com as cortinas escancaradas, eles seriam frustrados. Porque as pessoas ganem intimamente, pra saber sobre o que não veem. As pessoas em geral (isso é uma categoria), tem essa tara de saber sobre o lado oculto da lua alheia.

Não eu. Eu jamais seria uma voyeuse. As pessoas, suas vidas, não me interessam isso aqui, a ponta do meu dedo mínimo. Meus vizinhos podiam andar pelados, ou até nus, conforme preferissem. O máximo que conseguiriam de mim seria um suspiro e uma constatação entediada: *feios*

A caminho da cozinha passo pela sala. Abro as persianas da sala. Um pouco, não muito. Se tem sol, me agrada ver suas lambidas pelas paredes, pelas plantas do jardim, feito um imenso cachorro, alegre e trapalhão, de baba dourada. Acho bacana, apesar de não gostar de cachorro.

Se tem chuva, me sinto bem. Sou uma criatura do cinza, do silêncio, das coisas góticas, obscuras, nubladas. Gosto de casas abandonadas, de jardins esquecidos, de muros cobertos de musgo e hera, de cemitérios. Memento mori. Não gosto da palavra memento, porém. Ela me lembra um neném balofo, meio fedido, mijado, manhoso, a boca escorrendo de mamá. Bobageira, eu sei. Sou loca da cabeça, como diz o pessoal do Terceiro Planalto.

Na sala ligo a tv, o decoder, o computador. Na cozinha ligo a cafeteira pra passar o café, o microondas pra aquecer o leite. Olho pro relojão da parede, pra conferir as horas. Abro a geladeira, pra conferir o que eu vou querer. Em geral, nada. Apenas um café com leite e açúcar, uma fatia de broa com manteiga e mel. Às vezes um suco. Sempre de laranja lima, natural, que eu faço no processador de cítricos. É esse o título atual do amiguinho.

Os aparelhos trabalham. Eu penso no Gatinho. Penso nos meus filhos, sobrinhos. Nas gentes que fazem ou deviam fazer parte da minha vida. Penso que eu não faço nada pra mantê-las na minha vida. Talvez pelo fato de não as entender. Talvez pelo fato de não gostar muito do que entendo. Sinto muito por isso. Sinto nada, quase nada por isso. Uma certeza me conforta. Duas, na verdade: a de que as gentes, apesar da sua inviabilidade, conseguem ter vida própria, às vezes satisfatória; a de que as gentes estão melhor sem mim. Thank God.

Gosto de ficar em casa. Gosto de ficar quieta. Gosto de ficar sozinha a maior parte do tempo. Gosto de não esperar por ninguém, nem mesmo pelo entregador de sei lá o quê. Gosto de ficar maltrapilha em casa. Calças largonas, camiseta velha, chinelo de dedo, cabelo preso de qualquer jeito. Só isso, nada mais. Feito uma mendiga, uma monja, uma hare krishna, qualquer coisa humilde e não atraente. Meu estilo Johnny Depp, diria some Master of the Universe. Talvez pra contrabalançar a minha vaidade, a minha profunda superficialidade.

Posso passar um dia inteiro, vários dias inteiros, na mesma rotina, na mesma solidão, sem me sentir sozinha ou entediada. Contanto que meus aparelhos me cerquem, me façam companhia, me ajudem a atravessar o deserto das pequenas impossibilidades cotidianas.

Não sobreviveria num ambiente menos sofisticado. Num acampamento, num local qualquer primitivo, sem meus assistentes eletrônicos. Nem pensar. Acho obscenamente crua a ideia. Como alimentar um neném ao seio, em público, fazer um parto de cócoras, ou urinar na rua, essas coisas escatológicas.

Sou uma amante da cibernética. Que não requer, como as gentes, o comprometimento moral e emocional. Coisa que, afinal de contas, não se consegue de ninguém. Por um simples motivo: as gentes não funcionam com precisão. As gentes não são confiáveis. Mentem o tempo todo. Eu, inclusive.

Minha vida toda é uma mentira. Ninguém sabe quem eu realmente sou. Tudo o que sabem de mim é o que eu falo, e eu nunca falo a verdade. Não consigo entregar a ninguém a minha verdade. Porque ninguém me entrega a sua, e isso pra mim é um caso inquestionável de toma lá dá cá.

Então quando eu digo "eu te amo", isso é mentira. A não ser que se trate dos meus filhos, meus sobrinhos, do Gatinho. Porque deles eu não espero nada em retorno. Eu os amaria mesmo que eles se tornassem a pior coisa do mundo. Não sei por quê. Isso está além do meu entendimento.

Pra qualquer outra gente, o meu "eu te amo" não é cem por cento. Pra ser cem por cento precisaria que eu confiasse no retorno, em cem por cento. Senão, nada feito. E não existe tal retorno. É triste, mas é verdade, diria Vó Canda.

Someone to Watch Over Me é, portanto, uma ideia impossível. Prefiro Something to Watch Over Me.
Mas a música, é linda.

6 comentários:

  1. Oie, San
    Agora tou só no Facebook, honey, abandonei meu bloguinho pois você era a única, corajosa, digna e (por que não dizer) heroina a acompanhá-lo...
    Rick's (apareeeeçammmm....)

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  2. Isso porque seu blog não é sobre breganejo, compadre.

    Brazuca!

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  3. San, certa feita eu, meu irmão e o Viralobos fizemos um poema que virou canção, sobre o destino de quem, como eu, nasceu com "defeito de fabricação", como disse o Tom Zé. O poeminha:

    crueldade mental

    estou estúpido
    cada vez menos bípede
    fiquei assim súbito
    aceleraram meu velocípede

    canguru na arábia
    camelo na austrália

    descia de escada rolante
    pensando subir o monte
    pra mim os dez mandamentos deviam ser vinte
    vagas lembranças de um cérebro transeunte
    lapsos de tempo ininterruptamente

    beijos
    beco prado

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  4. Becaum, queridaum!
    Tu ainda não foi nanar???
    Ei, tá pegando o vírus da San? Dormir das 04h00 às 08h30?

    Muito legal o poema de vocês, seus lóks, como sempre!

    Muito me honra suas presenças.

    Bjaum
    Vá nanar!

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  5. OPAZ, já passei por trocentos blogs, mas essa foi a melhor leitura do feriadinho...

    Tomara que a Copel nunca deixe faltar energia elétrica na sua casa Garota Nervosa Cibernética.

    ;-P

    Beijopz.

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  6. Djoupz, dear!

    Você me alegra a vida, savvy?

    Curto muito seu blogaum tb ;)

    Bom rólidei.

    Bjaum

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