terça-feira, 18 de maio de 2010

Sobre fritos, patchouli e glória

Apesar de detestar cigarro sou solidária com os tabagistas. Entendo o que eles passam com essa onda de execração. Sinto isso na pele, com esse chatíssimo falatório sobre reeducação alimentar, outro nome para a doutrina alimente-se como um coelho. Odeio isso. Principalmente porque fui educada por cultuadoras das frituras. Todas as mulheres da minha família eram totalmente devotadas aos fritos, como dizem os portugas.

Faz um tempão que abdiquei desse prazer, não pela saúde mas por coisa muito mais importante: a estética. Sou sincera. Desculpe se isso fere a sua suscetibilidade mas, no mundo como é hoje, se eu pudesse escolher entre viver mais trinta anos como uma pessoa comum ou vinte como uma pessoa atraente, eu ficaria com a segunda alternativa. Sério. Não suporto ser olhada de um modo banal, não é a minha praia. Se eu não for percebida da maneira adequada, meu lado pobre menina abandonada vem à tona e eu fico totalmente désolée. Freud explica, mas não vem ao caso.

Assim, imagine o problema que isso se torna com  o passar do tempo. Porque a gente não vai exatamente rejuvenescendo e ficando mais linda dia após dia, nem mesmo com todo o dinheiro ou a sanha mais despirocada do mundo. Chega a hora em que Vera Fischer não levanta mais a galera. Coisa bem triste para a nossa superficialidade, para a minha, principalmente, essa entidade robusta e exigente. Espero mudar de perspectiva antes de enfrentar essa situação. Interessar-me por colecionar caixinhas de fósforo, coisas assim.

Aí outro dia aconteceu o seguinte: estava eu na minha caminhada diária, que levo muito a sério a partir do momento em que descobri que estar fora de forma é a pior coisa do mundo. Anda que anda, pensando em coisas inofensivas e tranquilas como alfaces, água pura e brisa, eis que de repente cruza o meu campo de visão um cara, saído de um lugar que podia ser uma garagem, um pátio de automóveis, uma oficina, não sei, o cara sai assim, sem olhar para os lados, dirigindo-se a algum outro lugar, cruzando o meu caminho compenetradamente, feito um soldado em marcha, sem me ver.

Chamou-me a atenção seu perfume, patchouli, cheiro da minha meninice, de quando caras descolados e desafiadores precisavam cheirar a amor livre, cannabis e paz e o patchouli parecia cumprir esse papel, e seu cheiro infestava as boutiques da Jesuíno Marcondes. Nossa, pensei, uma figura tão contemporânea cheirando como um burguesinho riponga do final dos anos sessenta? Aquilo atiçou minha curiosidade ou minha memória, sei lá, me levou a prestar atenção ao cara, infinitamente mais do que aconteceria sem a intervenção do perfume.

Primeiro, por força da realidade, pois eu ando ligeiríssimo e mal conseguia acompanhá-lo, reparei em suas pernas, quilométricas. Para cada passada dele eram necessários três grandes passos meus. Segui por um tempo me divertindo com isso, até que me vi quase emparelhada com ele. Diminuí então meu ritmo, ou acabava andando ao lado do rapaz, coisa ridícula.

Como estávamos para atravessar uma rua de alto tráfego ele teve de parar, o que deu tempo para eu me perfilar novamente com ele, constrangida com a mera idéia de ele imaginar que eu pudesse estar bancando a engraçadona. Felizmente o sinal fechou e pode-se cruzar a rua rapidamente. Atravessei na diagonal, indo para a calçada oposta. E um cheiro de paz e amor empestado no ar, diria o Djavan.

Pensei no perfume, nas pernas quilométricas, no jeans cinza legalzão, nos sapatos acoturnados de soldado, no jeitão nonchalante. Pensei nos cabelos, cachos soltos, bem tratados, cheirando a patchouli. Não que o perfume me dissesse alguma coisa, nem gosto dele. Incomodou um pouco foi a sensação de fora do alcance. Mesmo não havendo interesse real é muito desconfortável achar que algo está definitivamente fora do nosso alcance. Isso não devia acontecer jamais. Causa extremo prejuízo ao ego. Mas enfim, pensamentos sem propósito, desencanei e fui cuidar da vida.

Lá pelas tantas inicio o caminho de volta, meio de saco cheio. Sou um ser não-andante por natureza, adoro um automóvel, sempre volto de minhas caminhadas sonhando com o meu Kazinho. Vira daqui, vira dali, umas quadras adiante quem surge na direção oposta? O Patchouli. Não, pensei. Ridículo. Desconfortável sensação de sugestão de intenção, numa repetida fileira de ãos absurdos, sigo eu a conjeturar. E a me aproximar, a me aproximar, de frente pro crime. O rapaz passa então, devagar, e ao passar abre um sorriso e acontecem umas palavras:

Ele: Oooi.
Eu: Oi.
Ele: De novo?

Como assim? penso eu. Mas respondo apenas com um sorriso muito discreto, impregnado de perplexidade. E continuo meu caminho, tentando imaginar como "de novo?", se não havia registro de ele ter-me visto por um segundo sequer anteriormente.

Acho o fato muito curioso mesmo. E assim admirada volto-me para trás apertando os olhos, a título do meu ego verificar se a cena toda não teria sido peça pregada pelo Alzheimer. Bem quando me volto flagro o rapaz fazendo o mesmo. Bizarro momento. Ele então ri e faz um gesto, batendo o dedo indicador e o médio na têmpora. Gesto tipo, de soldado. And the second freaking look!

Sigo meu caminho, divertida, imaginando que "fora do alcance" pode ser relativo, e essa sensação é bem mais adequada para a minha vaidade. Mesmo que não corresponda cem por cento aos fatos o sentimento é paliativo. Freud explica, mas não vem ao caso.

Chego em casa louca pra ligar pra alguém cuja voz me lava a alma e faz todo o resto do mundo parecer sem sentido e sem importância.

- Alô, minha linda! diz a voz maravilhosa.

- Oie! respondo eu, exultante e reafirmada.

Yay! vibra a galera, sob fogos e rojões. Sou Vera Fischer e acabo de vencer o concurso Miss Brasil. Tão boa essa sensação, vocês não imaginam.

18 comentários:

  1. Li tudo.. e não foi difícil colocar-me em seu
    lugar, já que faço caminhadas
    e olhos para pessoas tb com um olhar poético ..
    só não me acho nas frituras, mas me perco
    nas massas - descendência italiana,
    a dieta é constante e exercícios
    para manter o corpitcho..

    já pensou em escrever um livro?( ou já escreveu
    um livro?)

    *.*

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  2. Ixi robusta.... Acho que a gordura tá indo pra tua cabeça.... Acha que o "minha linda" é só pra vc? Ele vive me dizendo isso, que sou linda de verdade, e pra um monte de gordotas também...

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  3. Ai que discussão de gente gorda....

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  5. E olha que eu não tenho nada a ver com as pretensões amorosas da San, eu só acho ela gorda mesmo...

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  6. Gostei da ode ao Patchouli, minha linda! Todo perfume conta várias histórias nas suas diversas notas.

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  7. Seguinte, pessoal, vamos combinar duas coisas:

    1. quem quiser preservar o anonimato escolha qqer nominho, só pra facilitar a resposta, senão fica todo mundo Anônimo, dá confusão pra responder.

    2. eu nunca deleto comments. Deletei um aqui hoje pq não vou admitir baixaria, palavras chulas, esse tipo de coisa. Se vier com caca eu deleto mesmo. Quando aparece "deletado pelo autor" é pq o próprio autor do comment se arrependeu do que disse e resolveu deletar.

    3. outra coisa: cá entre nós, eu também me acho uma bela droga. Problema é que os outros não pensam assim, o que eu posso fazer? Eu mesma fico de cara com o meu sucesso. É um dom, cara! Não tem outra explicação. Maior curtição você saber que é uma droga e os outros te olharem como se você fosse a maior gostosa, acho que até vou fazer um post sobre isso. Sinto pouco se isso ofende alguém. Que que eu vou fazer?

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  8. Oie, Ricks dearest,
    pois então, lembra como era o óleo essencial? De lei entre a rapeize descoladona, haha. Um clássico, não? Tem lá o seu lugar na parada dos inesquecíveis, ao lado de tops como o Chanel nº 5 ;)

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  9. Ester,
    massas, ah, uma perdição! Eu só gosto do que não devia, em termos gastronômicos. Looove carbs!

    E estou como Paul Bocuse quando diz que, ou uma comida é light ou é gostosa. Eu opto sempre pela gostosa. Vai ver é por isso que eu pareço assim. Estou tão repleta disso que confundo as pessoas, hahaha

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  10. Não sei se você caminhou mesmo, à vera,
    ou trouxe o caminho até você por magia,
    mas que conseguiu me arrastar junto,
    lá isso veramente conseguiu.
    Exista ou não exista o pernalonga,
    que belos compassos tem essa beleza de texto!

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  11. Beco querido,
    foi tudo à vera, com exceção da própria. Perna existe, e existiu no meu universo por aquele breve momento em que me transportou para o passado e depois mais, quando suas passadas me trouxeram de volta ao presente e me fizeram, por um momento, esquecer do futuro.
    Obrigada, querido, por percorrer comigo esse trecho, lendo o texto. Beijo

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  12. Ester,
    esqueci de responder: penso em escrever um livro, só nunca decidi o tema. Gosto de contar histórias do Country Club, gosto de coisas humorísticas, e gosto de falar das minhas experiências pessoais do dia a dia. E ainda tem a história do amor da minha vida, que é realmente fantástica. Não sei sobre o que eu escreveria, se fosse fazê-lo a sério. Quem sabe um dia eu me resolva e então... tadá!

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  13. Muito bom San,cheguei a sentir o patchouli,e lembrei também do Almíscar (igualmente oleoso),não sei se os tempos eram bons, mas os aromas eram "marcantes"...E outra coisa, essa Sociedade Anônima que me desculpe...Mas um .:Alô Linda...dito pela VOZ...com aquelas modulações jazzísticas e empoetisadas...Peraí;Isso não é prá qualquer linda não...é só prás LINDAS ESCOLHIDAS!!!

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  14. Acho que vai dar música no tema de teu livro, será "Love of My Life".
    Bj

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  15. Sherazade,
    pois então, nem preciso ficar me desgastando com explicações, as pessoas que achem e digam o que lhes apetecer, que me importa...
    Ainda mais que ganhei aquela valsa maravilhosa, viu no blog do Sol?
    Vou postar aqui logo mais. Estou nas nuvens.

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  16. Cirito,
    bem dessa. Depois vai virar filme dirigido pelo Woody Allen e vai ser um blockbuster, haha.
    Garanto que seria, se levada a sério a empreitada. Bj

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  17. San,

    grande texto. sobre livro, carece de tema, não. já tá mais do que na hora.

    beijo do vini

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  18. Oie, Vini. Legal tê-lo por aqui, grande honra. Fui lá no seu cafofo eletrônico ontem, tentei deixar um comment mas não sei se estava no coffe break, não apareceu. Ou foi o famoso problema daquela pecinha que comanda o teclado...
    Quanto ao livro, um editor não deve encorajar alguém assim, olha lá, periga ser levado a sério, aí você será o culpado, haha.
    Beijo também, querido

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