Imagem: Bardot in Et Dieu Créa la Femme
Não pense que é simples. Não pense que eu simplesmente uso minhas velhas tee, o que for, e fica tudo bem. Não. Fico sim com a consciência pesada, fico assustadiça, como quem faz coisa errada e tem medo de ser descoberta.
Penso: e se algum tarado tiver finalmente implantado uma câmera secreta por aqui? Seria fácil, minha palhoça brinca de ser um loft, vivo o dia todo numa só grande peça, se não estou no meu quarto ou no banheiro, os meus movimentos todos podem ser monitorados por uma única lente bisbilhoteira.
Então fico, sim, com a pulga atrás da orelha, meio nóia, com essa estória. Sei o que é ser observada por um
voyeur. Sério, já passei por isso. É uma violação terrível.
Mesmo assim uso minhas roupas velhas, velhíssimas em casa. Também não deixa de ser uma tara, isso. Gosto de sentir no corpo apenas o roçar do tecido desfalecido, sem forças pra me prender os movimentos, pra me irritar a pele, pra me incomodar de algum modo. Vontade talvez de viver nua, mas sem o impacto da nudez, gosto de sossego, nudez é desassossego, Et Dieu Créa la Femme, coisas assim, totalmente sem sossego.
Calcinhas, outra parada ingrata. Mulher brasileira tem um jeito fuleiro de ser. Gosta de tanga, fio dental, aquela coisa horrorosa, incômoda, entrona, perturbando a sagrada delicadeza dos recônditos do corpo. Não gosto disso. Queria ser européia, poder usar um belo caleçon de seda sem ser vista como uma dona maluca que usa calças de vovó.
Mas não, quem é fuleiro não entende essas coisas. Entende funk, mulher melancia, essas grosserias todas.
Eu não sou isso. Eu não sou brasileira, a não ser por um acidente geográfico, que nada tem a ver com baías ou promontórios.
Meu ideal seria andar de caleçon e tee puída, todo o tempo. Can you picture that? Sei que pode parecer nem um pouco sensual, mas é sim, acredite. Porque, se me sinto bem, solta, macia e confortável, sensualidade máxima. Muito melhor assim, acredite.
Tanto que, chegando da rua, onde sempre me apresento vestida devidamente (a não ser pelo meu jeito peculiar de vestir, que em geral desarvora um pouco os menos avisados), chego em casa, fecho a porta da frente e já estou arrancado aquela casca toda, ai que alívio. Nem sutiã, nem tanga, nem roupitcha nova na mais bacana
trend, nada disso. Quero minhas roupas velhas, quero me gostosar nelas, é isso o que eu quero.
Sentir aquelas mãos de fiapos a me acariciar delicadamente.
Dá licença? estou entre minhas literais quatro paredes, posso fazer o que quero, não posso? Então. É isso.
Deixa eu investigar os olhos do meu inocente ursinho Pimpão, ver se tem um olho eletrônico por detrás...