sexta-feira, 20 de abril de 2012

Prece à la mode


Deus, Deusinho do céu, por favor me escute nesta hora, mais uma vez, por favor, mais esta vez.

Deus, pode mandar um raio bem grande?
Um raio que caiba na cabeça de umas, sei lá, trezentas pessoas, pelo menos, pode?

Deus, meu Deusinho querido e bom e justo e poderoso - tremendamente poderoso - e irado, pode mandar esse baita raio aqui no Centro Cívico, mais precisamente na Praça N. S. da Salete, por favor?

Olha Deus, meu Deusinho do meu coração, Você sabe que eu sempre fui uma boa pessoa, nunca fiz mal a ninguém, nunca desejei o mal de ninguém... okay, só de gente que merecia isso, Você sabe, em geral eu tenho muita compaixao.

Eu sempre rezei e fui à igreja e ajudei os pobres e fui uma menina estudiosa e obediente à Mae e à Vó Canda, e sempre fui casta e bacaninha.

Lembra de mim em uniforme de gala, luvinhas brancas e boina, meias 3/4 e sapatinhos de verniz, sainha pregueada, véu e missal, atravessando a praça com Ma Soeur e Ma Mère e as meninas da classe, pra ir à missa cantada, toda manhã da última sexta-feira do mês, no Bom Jesus, lembra? Pois então.

De lá pra cá eu não mudei muito, não pelo menos no meu coração, Você sabe, Deus.
Então, baseada nesse nosso bom relacionamento, no meu bom comportamento, na minha fé, na Sua justiça,
baseada nessas coisas é que eu lhe peço:

Manda um raio bem grande na cabeça de todos esses padres católicos apostólicos romanos que viraram essa coisa nojenta e cantante que só serve pra aparecer na tv e se exibir, e juntar um bando de gente sem cérebro, gente que nem pensa em Você, Deus, mas só quer fazer turismo religioso e ajuntamento e baderna?

Manda um raio bem grande na cabeça desses pastores e bispos e ministros evangélicos, que também criam coisas cantantes horrorosas, e só pensam em Você como chamariz pra arrancar dinheiro de mais gente sem cérebro, que além de turismo religioso e ajuntamento e baderna, também faz feiras pra vender bugigangas, usando o santo nome do Seu Filho?

Nossa, essas feiras sao um nojo, Deus. Vendilhoes do templo à trocentésima potência... Canecas com a cara do Seu Filho, Deus. Camisetas, capas de botijao, coberta de cachorro... Deus do céu, se fosse com o meu filho eu processava essa cambada de safados... talvez eu os matasse de algum jeito, se me permite a franqueza.

Mas o caso é o seguinte, Deus: como Você sabe, todo feriado e dia santo que existe no nosso calendário, esses vendilhoes de todos os templos disputam a tapa entre si, lá com os caras do governo, quem é que pode vir berrar aqui no Centro Cívico. E os caras do governo permitem que eles venham, porque eles cooptam o voto daquelas pessoas sem cérebro, que sao em número de milhares, como Você sabe, Deus.

Entao esses palhaços fazem, de véspera, um ensaio das nojeiras, que os caras chamam de passar o som. E no dia seguinte eles fazem a nojeira propriamente dita, que é a maldita cantoria pavorosa, aquelas músicas medíocres com letras ridículas, verdadeira ofensa à Sua grandeza e majestade, Deus, e esse horror vai desde manha cedo até dez, onze da noite. É uma coisa insuportável, asquerosa, revoltante.

Eu nem precisava dizer nada disso, porque Você é onisciente mas, enfim, já disse.
Entao, Deus, pode mandar um raio gigantesco pra cima da cabeça desses lazarentos todos?

Eu gostaria de passar, depois do raio, no raio da Praça de N. S. da Salete e ver muito carvao e fumaça e corpos carbonizados e palcos destroçados e equipamentos destruídos e utensílios de padres e pastores derretidos pelo fogo e um grande silêncio pesando sobre tudo, como numa daquelas cenas de filme de guerra, depois que os nazistas passavam com tanques e armamentos possantes fudendo com tudo, e a gente ficava com um pavor imenso deles... eu, pelo menos, morria de pavor.

Mas nesse caso seria uma coisa boa, um expurgo, uma limpeza de uma pequena parte da terra, acabando ao mesmo tempo com exploradores, de um lado, e descerebrados, de outro. Pra que eles servem?

Bem, eu imagino que Você nao vá atender ao meu pedido porque Você, Deus, deve ter outros planos pra essa turma, e eu sei que Seus desígnios sao inalcançáveis para minha pouca inteligência e poucas luzes mas, vai que numa dessas Você baixa a guarda, ou está com a paciência estourada, ou com um humor capaz de decidir que está na hora de dar um basta a tudo isso?

Se assim for, por favor mande o raio.
Nao vai-se perder nada porque, gente que tem consciência nao vai estar lá. E muita gente sem consciência nao vai estar também, mas aí Você pega esse pessoal numa outra hora, de um outro jeito, enfim.

Pra mim é fácil dizer essas coisas porque, Você sabe, eu odeio essa humanidade, acho um nojo.

Nao se escandalize demais comigo, afinal Você me conhece melhor do que ninguém.
Muito obrigada por seu tempo.
Muito obrigada por todas as coisas boas da minha vida.
Muito obrigada pelos momentos de silêncio e pela árvores e por meus filhos e sobrinhos e pelo jazz e pela água de côco e pelo cheese cake e pelo English breakfast tea e pela literatura e pelo cinema em casa.

Ah, se possível, aproveite e mate uns cachorros latidores, que tem aos montes por aqui.
Aliás, ô bichinho nojento esse, hein?
Sério, nao foi uma das Suas criaçoes mais felizes, nao mesmo, eca!
E o pior é que eles sempre vem acompanhados de uma solteirona descompensada, oh my!

Obrigada de novo, desculpe o mau jeito, alguma coisa.
Amém.

Um comentário:

  1. para reforçar o coro, deus da sandra, peço uma coisinha também.
    se o senhor mandar o raio em outra manifestação da praça ali no centro cívico (que pelo que vi nos jornais matinais, não aconteceu dessa vez - então fica pra próxima), faça com que respingue nos carros que passam aqui em frente de casa com som alto, muito alto, que me perturbam o sono, a paciência, a vida.

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