Eu, esse ser iluminado

Muitas pessoas, muitas mesmo, me acham insuportável. Por que? Porque eu sou. E por que eu sou? Várias razões. Uma delas: a maioria das coisas que as pessoas nem desconfiam eu estou careca de saber. Eu sou o que a plebe ignara chama a sabidona, a metida, a boa. Isso mesmo.

Tenho uma vizinha, por exemplo, uma grandona feiosa com vozeirão de traveco, que me chama 'a gostosona'. Desnecessário dizer "pejorativamente"? Sei lá, vai que ela me acha gostosona mesmo? Se for isso, sorry. Ainda não tive queda por mulher mas, se um dia tiver, vai ter de ser uma gata lindona, superboa, no mínimo mais gostosona que eu, daquelas de babar. Não deixo minha heterossexualidade por qualquer coisinha à toa. Ah, e muito cheirosa, limpona mesmo, senão não rola, estejam avisadas.

Mas então, sou este ser diferente, especial, iluminado. E não sou eu quem diz isso, são as outras pessoas. Como? Assim, ó: tudo o que escandaliza, maravilha, intriga, tira o sono, espanta, assusta, faz delirar os outros, comigo, nada. Nem aí. Acho tudo a maior bobagem, um tédio, perda de tempo.

Exemplo: esses emails que se chegam pra gente com observação "repasse para seus amigos", "atenção", ou coisa do gênero acompanhada de zil pontos de exclamação. Eu em geral ignoro. Mas, conforme quem envia, fico com dor na consciência, penso 'puxa, a fulaninha ia ficar tristinha se soubesse que o email dela, tão cheio de atenção/ leia até o fim/letras colossais/!!!!!!!!!!!, eu mandei solenemente à... lixeira. Excluí o desgraçadinho, pá-bum, sem mais aquela.

Então -conforme- ficam aqueles dois anjinhos, um do bem outro do mal, sobre meu ombro direito e esquerdo respectivamente, naquele pingue-pongue: 'abre!', 'exclui!', 'abre!', 'exclui!', 'abre!', 'exclui!'. E, se acontecer de o remetente ser aquela pessoinha muito, mas muito legal *suspiro* eu acabo abrindo a joça. Pra quê. Eu sabia. Me dá uma baita de uma reiva que só mestre Adoniran entenderia.

O que me deixa assim, vamos dizer, agastada, não é exatamente o email em si enquanto manifestação de consciência, e sim o fato de o mesmo provocar tanto frisson por dizer uma banalidade que devia ser do conhecimento de qualquer ameba com certificado de ensino fundamental.

Tipo o que recebi de um queridíssimo amigo, gente da maior qualidade. O teor do indigitado era: como uma bolsa de mulher pode ser uma coisa imunda mais infestada de bactérias que os próprios sapatos da dona e ainda assim as pessoas ao redor do mundo desconhecem esse fato e colocam a bolsa sobre a mesa de jantar sobre a bancada da cozinha no carrinho do bebê etc com a mesma graça e elegância casual com que a largam no chão da privada do shopping.

A minha reação é a seguinte: por que um cara tem de passar um email desses pra gente? Não, sério minha filha, você faz essa nojeira? Você pincha a bolsa no chão da privada do shopping e depois chega toda faceira e larga essa minipocilga na mesa do nosso café colonial? Sua pooorca vergonhooosa!

Você precisa de email avisando que essa é uma grande nojeira que você pratica? Nunca parou pra pensar que você deposita sua Louis Vuitton Cover do ladinho da patentchi, ali onde é cheio de mijinhos, coliformes, sabe-se lá quantas porcarias mais respingam, pululam ali, e depois você coloca seu ônibus de bactéria ao lado do tiramisu, sobre o guardanapo de crivo e ponto-atrás da tia Mariquinha? E que dali pras bichinhas hackearem o sistema digestivo dos incautos é um pulo? Precisa de quantos pontos de exclamação pra você se tocar da nojeira que está cometendo, cheirosa?

Ah, mas me faz o favor. É nessa sociedade que eu vivo? De gente sem cérebro com ouvidos de lata? Jarvis, meu shake de soda cáustica!

Então, infelizmente para os descontentes com a minha sassiness, vou continuar sendo a sabidona, metida, boa, gostosona. E a tendência é piorar com o tempo.

Paciência. Desculpem-me por dar sentido à existência dos meus neurônios.