Foi quando aconteceu. Ele chegou com aquela voz de locutor, com aquele jeito estudado de falar, assim, pra engambelar mesmo. No fundo eu sabia que não devia dar trela. Afinal sou uma mulher feita, mal mas sou, mas aquela conversa, e ele mostrando um pouquinho aqui, um pouquinho ali, quando dei por mim eu estava no papo. E amando cada minuto.
Maldito! Miserável! Hoje quando paro para analisar friamente vejo que papel eu fiz. Como é que a gente pode ser tão idiota nessas horas? Fui na conversa, nenené, que eu ia gostar, que nunca mais ia passar sem...
Então ele disse que a gente ia começar dia tal, hora tal, que era pra eu esperar ali, sentadinha no sofá da sala. Que horas? perguntei. Ele: 22 horas. Nossa, disse eu, mas no domingo? Quero dizer, segunda de manhã é brabeza, né? Domingo às 22 horas, repetiu ele, você não pode perder essa chance. É, acho que não, concluí, examinando rapidamente minha situação.
E no domingo marcado, às dez da noite, lá estava eu no sofá, toda emproadinha, camisola, banho tomado, dentes escovados, pernocas esticadas, mexendo os dedos do pé idiotamente chamados artelhos, e olhando minhas unhas vermelhas. Foi assim que tudo começou.
Passei muitos domingos fazendo aquele ritual, já nem me importava mais com o horário. Nosso programa ia até depois da meia-noite. Terminado, eu me arrastava pra cama, cansada mas feliz, cheia de coisas fortes com que sonhar.
Até que num domingo ele apareceu às dez avisando que nosso programa começaria a uma hora. O QUÊ? gritei eu, como assim? Uma hora, repetiu ele, impassível. Uma da madrugada? insisti. Sem resposta. Ai, medeus, falei sozinha, como é que eu vou levantar segunda às 5:45 da manhã? Por quê? Resposta nenhuma. E agora, dormir sem? Vou confessar: tentei dormir sem, não consegui. Fiquei me revirando na cama, senti um calorão horroroso, vi que não ia dar, voltei pro sofá, esperei até a uma, à meia-luz. Na casa o silêncio pesava, eu ouvia o ronronar inocente de quem dormia.
Depois de dois meses eu entrava a semana feito um zumbi. Todo mundo queria saber o que eu andava fazendo. Nada, dizia eu. Que se danassem. O lance era meu, o que eles tinham com isso? Importava é que todo domingo a uma da madrugada eu estava lá, no sofá da sala, me divertindo. Pra mim estava bom, de qualquer jeito. Eu só não podia ficar sem.
Pra dar uma arrumada na situação eu inventei isso: dormia até a uma, na cama mesmo, de verdade. Acertava o despertador pra uma da madruga, quando ele tocava eu zumbizava até o sofá e, uma vez lá, nem sei se acordava, mas me deleitava por duas horas. Se era esse o único jeito, esse seria o jeito. Contanto que eu não passasse sem. O que a gente não faz... pensava eu, sem coragem pra terminar a frase que, eu começava a suspeitar, seria patética.
E aí então, num desses domingos, simplesmente nada aconteceu. Num primeiro momento achei melhor imaginar que tinha havido algum problema. Fase da negação. Pensei: agora está muito tarde mas amanhã eu ligo.
Passei por todas as fases, liguei, mandei email, me descabelei, perdi a compostura, esqueci que era uma dama, ameacei. Só chorar não chorei, que aí era dar ganja demais. Mas fiquei muito fula. Faz um tempão, ainda não esqueci, nunca vou esquecer.
Era na Warner. A trocentésima reprise de Os Sopranos, que eu nunca tinha visto. Parou faltando um tantico pra acabar. Biscoito interrompido. Eu passei de alguém que ainda não tinha visto os Sopranos pra alguém que não viu o final dos Sopranos e como queria!!! Virei uma aberração, motivo de chacota, um ser mais vexatório que o virgem aos quarenta. Quem se importa? Os caras da Warner? Por muitos domingos eu os ouvi gritar:
Fuck you, sucker!
Vai choramingar na ponte que caiu, sua vaca!
Quem mandou ser otária?
Assim. Só não me encheram de pontapés nem fizeram xixi em cima porque faltou tecnologia para tanto.
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