Não, vê se pode: 02h30 della madruga e eu aqui, sendo que meu despertador está programado para 06h30 e ainda tem sessão banho/shampoo etcétera e tal. Mas acontece que eu não vou dormir sem contar essa. Depois, estou na excelente companhia do Jerry Orbach e do tchutchuco Benji Bratt, meus heróis de Law & Order. Go on, guys, do your thing, I'll be right here, listening to you. Sort of.
Tempos atrás eu tive uma amiga, loura de olhos verdes, mulher extremamente sedutora, voz de cetim, além de artista plástica de grande sensibilidade. Denise, eu a adorava. Éramos vizinhas, terrivizinhas nós duas. Víviamos de conversa impiedosa nas horas vagas.
Belo dia ela volta do supermercado, passa lá em casa, com um sorriso de Monalisa na cara.
Eu: Que foi, Deni?
Ela: Sabe, aconteceu uma coisa que me deixou pensando...
Eu: Que foi, Deni?
Ela: Então, cheguei no supermercado, estava fechando o carro quando ouvi dois rapazes que andavam por ali, um falou pro outro "olha... que senhora mais bonita!" e o outro "é mesmo!"
Eu: Sim. E...?
Ela: Pois então. Na hora eu não sabia se ficava alegre pelo "mais bonita!" ou triste pelo "senhora"... Ai, meu Deus, primeira vez que me chamam de senhora!
Rimos muito da situação mas as palavras da Deni calaram fundo na minha atormentada alma de mulher vaidosa, assombrando-me com a idéia do dia em que eu me encontraria fatalmente na situação de bonita senhora, ui. Eu não queria esse dia. Sempre disse -quem me conhece já ouviu isso zil vezes- que tudumundo só devia envelhecer fisicamente até os 35 anos. Depois disso, que a gente fosse caminhando para a inevitável derrocada, mas a figura lindamente congelada nos 35 anos.
Assim, o meu Dia D, Dia da Deni, ficou feito a espada de Dâmocles, pairando ameaçadoramente sobre minha cabeça, desde então. Quando chegasse esse funesto dia, como seria? Pior que o da Deni? Melhor? Pois bem, ontem ele finalmente chegou, e já não era sem tempo. Foi assim:
Estava eu fazendo minha caminhada alegre e despreocupadamente (mentira, pois eu não estava alegre e nunca estou despreocupada), reparando na reação das pessoas que me veem passar. É muito engraçado. As mulheres ou abrem um sorriso morno, como quem me conhecesse de longa data, o qual eu retribuo calorosamente sussurrando até um "olá" com o aspecto aveludado de um merlot encorpado, ou fazem a cara mais azeda desse mundo, azedíssima, o que é mais costumeiro. Mas ninguém fica sem mandar um recado.
As mais espertas, no meu entender, são as que sorriem. Partem do princípio
se não pode vencê-la, junte-se a ela, hahaha. Não entendo por que eu causo essa reação nas pessoas, sério. Isso me diverte grandemente. Deve ser que eu tenho uma atitude corporal muito metidona, não sei, como se minha postura dissesse
e aí, qual que rola? Sei lá. Conjeturas.
Quanto aos cavalheiros, são em geral gentilíssimos, e é costume que, quando eu atravesso uma rua menos movimentada, eles estanquem seu carro sorrindo afavelmente, e indiquem com uma mesura que eu posso cortar-lhes a frente, sem perigo. Coisa que eu retribuo com um sorriso ultradiscreto e um inaudível obrigada. Sou muito fina nessas horas. Mas em geral eles são bem receptivos e fazem uma cara bem alegrinha para mim, não sei por que, pois ando sempre seriíssima. Divertido.
Ontem, porém, estava eu andando minha andação de sempre, nenhum acidente de percurso, nada de novo no front, nenhum sinal estranho nos radares e tal, quando de repente, ao me aproximar do Parque... (aquele onde em geral eu vou, que tanto pode ser o Barigui como o Tanguá, como o... eu nem sei os nomes. O Paulo Vitola me matou de rir outro dia mandando por email uma lista com tanto nome de parque em Curita que eu nem sabia que existia, é um absurdo o que cabe de informação naquela cabeça, não cessa de me fascinar). Mas enfim, estava eu chegando ao Parque tal, bem na curva do amendoeiro, quando me surge um carro, fazendo a dita curva. Um carro compacto, cheio, apinhado de uma gurizada, guri saindo pelo ladrão, naquela algazarra que homem adora fazer quando está em maioria.
E aí o carro diminui a marcha, e uns garotos gritam, botando a cabeça para fora da janela. E o que eles gritam? Bem, eu estava prestes a ter o meu Dia D e nem sonhava. Verdade. A espada finalmente cairia sobre minha cabeça com rabo-de-cavalo. Gritaram uns piás, sorrindo para mim:
-Aê, tia! Beleza, hein?
- Mandô bem. Ô loooco!
Well. Talvez assim escrevendo eu não consiga passar a exata sensação, mas foi bem boa. Meu Dia D me deu um momento grandioso, 150 mil aliados chegando às praias da Normandia. Sabe aquele gosto de vitória,
a triumph of intelligence, bravery, coordination, secrecy, and planning? Embora pouco disso estivesse envolvido na estratégia. Enfim, me achei. Curti de montão. Eu que já estava satisfeita com a simpatia dos quarentões, calcule o estrago que fez a piazada.
Ontem foi o meu 6 de Junho de 44. Lembrei da Deni. Mandei mentalmente um recado a ela: Deni, minha bonita senhora, tia San mandou bem, beleza, ô lôco.
Sério, não me incomoda ser tia num contexto assim entusiasmado. Não mesmo.
É isso. Agora vou ao banho e depois cama, estou borratcha de sono, com certeza dormirei sob o chuveiro. Desejem-me bons sonhos, recheados com creme. Do tipo que não engorda, olha a responsa.