Postão: reflections of my life in a bad place to live

Sou uma pessoa culpada. Por tantas, tantas coisas, que me custaria fazer uma lista delas. Mas principalmente em relação a meus filhos. Que deixei de fazer tal coisa pra um, pra outro. Ou que fiz tal coisa pra um, pra outro. Sem querer, obvio, uma escorregada aqui, outra ali, e assim a vida vai passando. Claro, todo mundo faz dessas, mas nem todo mundo se culpa, ou se culpa tanto quanto eu. Eu me culpo mais do que os outros. Pura vaidade. A vaidade faz a gente achar que todo mundo pode ser medíocre, menos a gente, capisce? É isso.

Fora ser uma pessoa culpada, sou uma pessoa amargurada. Não por causa das minhas culpas apenas, mas muito além delas. Sou amargurada com o mundo, com a vida, blablablá. Isso não tem nada de original, eu sei. Tem gente tão mais amargurada que eu, que até se mata, eu sei.

O que me leva a pensar que, além de culpada e amargurada, sou uma covardona. Andei pensando em me matar umas tantas vezes, mas tenho medo da vingança divina. Já pensou se o Deus me faz voltar pra esse mundão, pagar minha decisão pecaminosa? Eu, hein? Aqui, Gerarda! Porque veja, o Deus não quer que a gente goste de vingança, que fique irado etc, mas Ele... Esses dias eu estava pensando, o Velho Testamento tem muito mais slaughter, bloodshed, carnage, gore, havoc que qualquer videogame que eu conheça. Um game basê no Old Testment ia dar mais na moleira da galera que qualquer Pokémon (lembra disso?).

Bem, mas...

Além de culpada, amargurada e covardona, sou impiedosa. E o pior - e mais interessante - é que por isso, exatamente, eu não me sinto nem um pouco culpada. O que me leva a pensar que a impiedade me faz bem. O que me leva a pensar que eu devo ser muito má mesmo.

Meus filhos, tadinhos, ficam horrorizados. "Nossa, mãe!" dizem eles diante das minhas maldições, blasfêmias, blasmáchios etc. Quer saber quais, por exemplo? Bem, queira ou não, eu vou dizer.

Por exemplo (estou sendo completamente honesta, não é forçação): tenho um facão de jardineiro, quebrado, velho, enferrujado, que eu chamo de "meu facão guarani", por causa da melô de Tavinho Moura & Murilo Antunes "Meu facão guarani quebrou na ponta, quebrou no meio/ Eu falei pra morena que o trem tá feio". Não só por causa da melô mas porque ele é meio pelepré, eu acho que ele bem podia ser um facão guarani. Isso não é preconceito gratuito, veja lá. Tem substrato nos guaranis de Ciudad del Este. Acho que isso explica tudo.

Pois bem, tenho um sonho (eu quase dizia "acalento um sonho"), que é desenferrujar esse facão, mandar afiar feito navalha dantanho e usar em tudo quanto é cão latidor no raio de, hmmm, let's say três quilômetros (?). Nesse sonho eu degolaria cãos e cãs latidors um por um, uma por uma, com um sorriso genuíno na minha cara e uma satisfação que amor nenhum proporcionou a ninguém até hoje. Sério. Tanto que, quando estou muito deprimida penso nisso e logo me sinto melhor, só pela hipótese absurda e abmuda de que isso um dia poderia acontecer. Ué, cada um tem suas fantasias. A minha é essa, sair degolando cãos e cãs latidors.

Já fiz isso uma vez. Com ele mesmo, meu Facão Guarani. Quer dizer, não degolei propriamente, como gostaria. Ceifei um dedo de uma pata dianteira de um traste imundo e horroroso, que merecia ser degolado aos poucos, todo dia. Não vou contar a história agora mas, acredite, ele mereceu. Merecia muito mais. Só não digo que cães são o diabo porque eu simpatizo com o Diabo.

Outra coisa que me faz impiedosa: esses caras que andam com o som do carro no úrtimo. Desnecessário dizer, mas ainda assim o digo com escatológico prazer, que esses trolhas só ouvem diarreia musical. Pagode, funk de favela, rock nacional e - o campeão das atrocidades sonoras - breganejo, mais conhecido pelo triste nome de sertanejo universitário, que pode ser traduzido como "dejetos musicais de um bando de equivocados que acham que frequentar uma facu demerda e curtir um som debosta dá status" ou "som desagradável produzido por dois cantores, um com timbre masculino e outro feminino, interpretando a mesma música medíocre, em diferentes sequências de acordes e palavras básicas".

Somzera do Gol. 

Postado por Sidinei, do blog Somzera, seguido por Sidinei e Leandro.

Mora na filosofia.

Toda vez que um pulha desses se faz ouvir por mim, eu brado, ou torço em pensamento, que ele encontre a morte na próxima esquina. Se isso um dia acontecesse... posso até me ver a acotovelar-me na esquina, entre os curiosos mórbidos e, com uma cara falsamente contristada, dizer "Nuóssa! Mas que horror! O motorista morreu??? Tsc, tsc! Judiação, não?", enquanto meu coração jubiloso escarnece daquela massa inerme e grita "Vai lá, coisa nefasta! Bota o som no úrtimo agora, bota!"

O que me leva a pensar na gente dos Direitos Humanos, aquela gente com meia-visão do que sejam os direitos humanos, aquela que diz "Ei, você é um pulha? Então, não se preocupe. Vamos cuidar pra que as pessoas corretas não batam em você!" O que me leva a pensar que "direitos humanos" significa "direito de sacanear as pessoas de bem e sair ileso".

Mas, quem disse que esse mundo é bom? Há muito os sábios escoceses do Marmalade já apregoavam, enquanto a Rosemary de Mattos se debulhava em lágrimas adolescentes: "the world is a bad place/ a bad place/ a terrible place to live". Confira no Yntube. Seja corajoso. Se eu consegui, você consegue.

Só não me pergunte o que eles queriam dizer com "Rollin' My Thing"

Minha neura mais recente é um maldito passarinho que o velho seboso aqui de cima arrumou. Eu não entendo chongas de canto de pássaro, só sei que há uns lindíssimos, há uns meia-boca (meio-bico, se preferir) e há os insuportáveis. O "em pauta" pertence a esta última categoria.

O pestchado começa com a maldita cantoria todos os dias pontualmente às 02h30 da madruga, e termina lá por 14h30 da tarde, o que perfaz 12 longas horas de um tuí-tuí seguido de um assovio forte e repetido, como o de um homem chamando táxi em Nova Iorque, acho. Sacal demais. Chega lá pela 20ª piação, você está sonhando com o Facão Guarani, pensando em tocar a campa no apê do velho, dirigir-se à fonte da piação, facão em riste e zapt! só pena que voa!

Só que, pior que os cãos e as cãs, e os passarinhos e tais, é o discernimento de seus donos. Esses merecem muito o facão, direto na ideia.

Por essas e por outras é que o post da Margot Félix me deixou tão assim. Reforçou a minha desconfiança de que o mundo mudou pra um ambiente perverso, cheio de barulhos maus, onde a pior violência é contra a sensatez e a paz de espírito. As pessoas estão cada vez mais horrorosas pra se conviver. 

A bad place to live? Os Marmalade não tinham visto nada até aquela data.

E eis que isso tudo me faz do jeito que eu sou. Yo soy yo y mi circunstancia. 

Por supuesto.