Elis Regina, como de resto todos os artistas que conheci, de perto ou de longe, tinha lá o seu
dark side incontrolável, que por vezes - muitas vezes, na opinião de quem a conheceu bem de perto - sobrepôs a
persona que ela mostrava ao distinto público.
Aliás, pra eu não ser injusta, todos nós temos um dark side. Mas suponho que, quando não temos muita visibilidade, ele também aparece menos, ou é visto por menos gente. No caso dos famosos, a fama é um
display. Tudo o que os famosos fazem ou deixam de fazer é registrado por esse big brother voraz (ingênuos, por favor, não estou falando daquela coisa que passa na tv) que é a plateia.
Mas não estou aqui pra falar mal da Elis, de quem sempre fui tietíssima, e continuo sendo. Aprendi, a duras penas, que um artista é um ser duplo: a sua arte, por mais sublime que seja, não garante que sua personalidade seja igualmente sublime. Em geral dá-se exatamente o oposto.
Então, venerar um artista é o mesmo que saborear uma fruta madura e suculenta, com uma banda podre. Que você deve ter agilidade pra evitar, porque o podre tem gosto ruim e dá dor de barriga. Um artista nunca será uma delícia completa, encare o fato. O podre faz parte do pacote.
Elis escondia, ou tentava esconder, por trás da persona, o mau gênio e a drogadição. Certa vez um de seus músicos, jantando lá em casa após uma apresentação no Teatro do Paiol, comentou que ela ficava furiosa por tudo, principalmente quando, nos intervalos dos shows, algum dos seus músicos fumava um
baseado. Que ela não queria ninguém da plateia presenciando ninguém do seu grupo usando nenhum tipo de droga. E que essa reação era sempre exacerbada, além de uma grande hipocrisia.
Eu, típica imitadora das
Filhas de Maria, educada por freiras e pai xiita, fiquei muito desconfortável com a revelação. Naquele tempo eu ainda queria que o mundo fosse perfeito, embora já não tivesse ilusões a esse respeito. Era um querer desenganado o meu, como querer que a Vó Canda não estivesse, de verdade, com câncer. Meus
quereres sempre foram inúteis,
story of my life.
Mas o que eu fiz? O que eu poderia ter feito? Negar que Elis era uma grande artista? Deixar de apreciar a sua arte? Não tinha como. Quem deixa de saborear a fruta doce que tem uma ponta apodrecida? É cortar fora o podre, lamentar a perda, regalar-se com o que sobra.
Evidente que, quando a
tragédia final aconteceu, foi o tal do baque. Eu me senti traída pela Elis. Achei que ela
não podia ter feito aquilo.
Assim como eu ainda não tirei minha vida, pensando no meu filho adolescente, Elis não podia ter tirado a sua vida, pensando nas milhares de pessoas que desapontaria, incluindo os seus próprios filhos.
Mas hoje eu entendo. Chega um momento em que
nada tem mais peso do que a nossa profunda infelicidade. E, por mais que você ame pessoas, animais ou coisas, você não consegue carregar adiante a sua própria desgraça, não encontra capacidade pra continuar, não importa por quê ou por quem. Apenas, suas forças deixam de existir, como num motor sem ignição.
Lembro de uma entrevista com a Elis, na qual ela se confessava descontente com sua própria figura, e especialmente com o seu leve estrabismo, herdado pela filha Maria Rita que, por conta disso, usou pesados óculos, desde criancinha.
Era uma bobagem, na Elis. Um nada. Mas ela não gostava. Não se achava bonita. E de fato, no começo não era, com cabelo
sixties não era, com cabelo
joãozinho não era. Mas depois do nascimento de Maria Rita, Elis estava ótima, com um cabelo perfeito para o seu rosto, uma cara bonita, ultrafeminina. Foi a sua melhor imagem. Olha aí:
Maria Rita, performing a mesma canção:
Sugestão: ouça um trecho de cada uma, alternadamente. Maria Rita canta direitinho. Elis canta
con alma. Cantar direitinho é pra poucos. Cantar com a alma, é pra pouquíssimos. Depois vem a questão da afinação. Maria Rita é afinada. Mas olha a segurada da Elis no final da canção, na palavra "natural". Perfeita. O "natural" da Maria Rita não é a mesma coisa. Ainda se considerarmos que a essa altura Elis já sofria comentários sobre degaste de cordas vocais e tal, o básico mal falar sobre todo grande cantor. O que,
mutatis mutandis, me lembra, entre outros, do Pavarotti.
Maria Rita imprime vigor ao soltar a voz. Elis é doce, comedida, comovente. Coloca a voz com a precisão requerida em cada momento da melodia. Isso se chama
interpretação.
Elis
conta sobre "essa mulher" em mim. Elis dói em mim. Como o amor, como a impotência diante dos fatos da vida. Como a aceitação de um estado perene de refém da realidade.
Ouvir a Elis assim é "encontrar a minha turma", a dos emocionalmente
jodidos. Depois tem outra: Cesar Camargo Mariano, essa coisa absurdamente boa. Arranjador, instrumentista, sensibilidade à flor das teclas. Foi perfeito com a Elis, musicalmente falando. Soube buscar o melhor nela. Belíssima parceria, a deles.
Parceria que rendeu dois rebentos inexplicavelmente díspares: Maria Rita e Pedro. Maria Rita deu no que deu, felizmente. Nada preciso dizer dela, a não ser que me agrada. Não é roqueira nacional, nem funkeira, nem bregueira, nem pagodeira, nem axezeira. Por isso, de saída, me agradaria.
Já o Pedro? Penso que o Cesar tentou de tudo com ele. Nem assim rolou. Cantar não é a praia dele. Depois, o que aniquilou o Pedro no já estremecido conceito que eu fazia dele, foi a
amigação com aquela coisa pavorosa que serve pra ser sua avó.
Pros mais desligados, refiro-me à
sinistra Beibe do Brasil.
Pode uma coisa dessas? Imperdoável. Deu pra minha cabeça, Pedroca.
Em todo caso, os filhos da Elis não são
muito show nessa coisa de arrumar companheira. O João Marcelo, que me parecia um cara legal e bem situado, casou-se com... Eliana Dedinhos. Uia!
Meno male... se comparada à sinistra. Mas olha lá.
Enfim...
Amanhã tem mais. Ainda tenho muito o que bi-a-tchar.
Stay tuned.
Ah, uma trolladinha a que eu super não pude resistir:
Elis posando de Adriana Sydor =)